Mediadores culturais: que perfil profissional?
Por Ana Sofia Nunes, mediadora cultural (@cultura.educa)
Entre 2013 e 2015, a investigação que fiz para a minha dissertação de mestrado tinha um objetivo muito concreto: traçar um plano de formação pós-graduada para mediadores culturais, que lhes desse as ferramentas específicas necessárias para o desafio que é esta profissão.
Tratam-se de profissionais oriundos das mais variadas áreas de formação, como pude confirmar através dos participantes do questionário que desenvolvi: a sua formação inicial era de História da Arte e do Património, Psicologia Educacional, Ecologia Humana, Sociologia, Ciências da Cultura, Arqueologia, Literatura, Arquitetura, História, História da Arte, Pintura, Psicologia e Biologia Marinha. Nesta altura ainda não existia a oferta formativa que encontramos agora, passados cinco anos. No entanto, para definir um plano de formação e os seus conteúdos também havia a necessidade de responder a algumas questões, nomeadamente que perfil se procura nestes profissionais.
Definir um perfil profissional
Afinal, “que perfil devem ter os profissionais de educação ou mediadores de património nos museus” (Filipe 2002)? Teresa Campos refere que, em “termos de atitude, o mediador monitor do Serviço Educativo tem de ser e estar disponível, pois (…) a sua actividade passa em primeira mão pela afectividade”, pois “a visita ao museu é primeiro que tudo uma experiência afectiva. Esta capacidade de transmitir afectividade tem de ser um elemento base no recrutamento do monitor” (Campos 2002).
Ao longo da pesquisa que fui fazendo sobre os mediadores culturais e o seu desempenho profissional deparei-me com a questão da terminologia a usar para designar a profissão. Do ponto de vista anglo-saxónico encontrei a expressão “educador de museu”, que além de especificar a instituição onde são exercidas as funções, revela, a meu ver, que está implícito o tipo de educação a que nos referimos – a educação não-formal. Não se pretende que as experiências vividas em museus, proporcionadas, por norma, através dos serviços educativos, sejam uma replicação das atividades académicas (a escolarização). Por outro lado, o termo “mediador cultural” utilizado pela Mediamus, sugere funções desempenhadas em serviços educativos associados a uma forte componente comunicativa.
“Animador, “monitor”, “guia de visitas”: tantos nomes diferentes para nomear todos aqueles que desempenham as mesmas funções. Isto acontece devido ao facto da área ser relativamente recente e apresentar lacunas estruturais, apesar da crescente solicitação dos seus serviços. A multiplicidade de tipologia de instituições culturais também poderá contribuir para isto: os serviços educativos estão presentes em museus de todo o tipo de área disciplinar, da mesma forma que os teatros ou os centros culturais também têm, cada vez mais, pessoas destacadas para a função pedagógica.
Que nome se dá ao que fazemos?
Quando questionados acerca de qual a terminologia que, no seu entender, melhor se adequa à função: mediador cultural ou educador cultural? Porque motivos?, mais de 50% dos mediadores inquiridos (universo de catorze participações) concorda que a terminologia mais correta para a função é a de mediador cultural e as suas opiniões são praticamente consensuais. Quase todos consideram que a terminologia mediador cultural é a mais correta e cada inquirido justifica de acordo com a sua experiência e opinião: “mediador cultural, na medida em que as minhas funções passam sobretudo pela mediação entre o teatro, escola e família, e todos os seus intervenientes”; “mediador cultural porque está mais relacionado com os diferentes tipos de comunicação que se desenvolvem com os diferentes públicos”; “mediador cultural. Neste momento coordeno e realizo a produção executiva de projetos educativos”; “mediador. Porque a palavra “educador” tem uma carga ligada ao público escolar. Mediador é o que medeia, o que permite fazer a ponte entre a obra e o público”; “Mediador, porque o objetivo é facilitar/mediar o contacto com a exposição. Apesar da componente educativa pretende-se tornar a exposição acessível.”
Quanto ao termo “educador cultural”, apenas dois colaboradores optaram por esta terminologia e justificam-na: “educador cultural será provavelmente o termo mais adequado, pois creio que é educativa a natureza fundamental da função desempenhada. Por outro lado, um mediador é um veículo que liga duas coisas sem interferir sobre elas, atuação esta que o profissional do serviço educativo saberá constituir uma impossibilidade, pois é inevitável que a sua conceção particular sobre cada assunto aflore, mesmo que inconscientemente, no discurso através do qual comunica (seja ele linguístico, físico, plástico, etc.)”; “educador cultural – considero-me não apenas intermediária de discurso entre as obras e o público, mas alguém com preocupações pedagógicas em transmitir conteúdo científico, educar”.
Por último, um outro inquirido acaba por não optar por nenhuma das terminologias, fazendo no entanto, uma distinção entre ambas: “cada um [cada termo] pressupõe um tipo de atitude diferente. O mediador representa alguém que se coloca entre o objeto artístico e o público numa posição de facilitador, impulsionador, dinamizador ou moderador. No outro caso, a atitude é educativa, ou seja, os objetivos traçados pretendem o crescimento do público”. Este testemunho serve, sem dúvida, de mote para reflexão: não será esse o trabalho de um profissional de educação e mediação, conciliar tudo isso?
E o perfil?
Quando colocada esta questão aos colaboradores e diretores/coordenadores participantes no estudo (competências que devem fazer parte do perfil do profissional de Serviço Educativo), doze inquiridos deram a sua opinião. Referem uma listagem consistente de competências, atitudes e postura que deve ser inerente a este profissional.
Deste modo, e tendo em conta os testemunhos dos participantes, o perfil dos profissionais de educação e mediação deverá:
– possuir formação académica adequada à função;
– ter por base a dimensão de desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida, por sua vez inserida do campo da educação não-formal, estando apto a desenvolver a sua actividade com todas as faixa etárias;
– conceber e desenvolver uma programação, com as respetivas atividades/experiências que contemplem o conteúdo pretendido por si e pela instituição onde desenvolve a sua atividade profissional com vista à construção de aprendizagens integradas em prol de uma educação para a arte e pela arte, para a cidadania e pela cidadania. Os conteúdos e os modos de atuação deverão ser avaliados e repensados sempre que necessário, de acordo com os estudos de públicos que vai realizando;
– organizar e gerir do seu ambiente de trabalho, bem como aos materiais, utilizando-os e disponibilizando-os quando necessário para as suas práticas. Esses materiais deverão também integrar recursos ligados às tecnologias de informação;
– possuir competências ao nível da comunicação por forma a ser disponível, flexível e mesmo afectuoso, adaptando a sua postura e discursos aos vários tipos de público que a ele recorram;
– criar redes de parceiros, nomeadamente intervencionando junto da comunidade que envolve a instituição, bem como trabalhar em equipa com os demais sectores da instituição, elementos imprescindíveis para o traçar de uma programação e de um plano de acção pedagógica que vise a missão educativa da instituição;
– ter capacidade de investigação.
Uma espécie de conclusão
Penso que agora nos deparamos com a fase da profissionalização do sector, não só pela oferta formativa especializada que tem surgido como também pela vontade que a própria classe profissional manifesta em formar-se. Concluo isto não só com base na pesquisa bibliográfica de relatórios e outras investigações, como também pelo que vou observando, nomeadamente quando acompanho ou frequento formações e em conversa com os próprios colegas.
Também me tenho apercebido de que se trata de uma classe profissional que pretende demarcar-se a fundo daquilo que é a educação formal, algo perfeitamente compreensível, pois o trabalho que se desenvolve de um lado é manifestamente diferente do outro. A meu ver, o trabalho pedagógico desenvolvido nas instituições culturais em geral tem vindo a revelar-se uma lufada de ar fresco, tanto para as crianças e jovens como para os professores. Certamente contribuirá para isso o facto de continuarmos com um sistema de ensino que não acompanha a evolução dos tempos e, por isso, não ajuda as crianças e os jovens a formarem-se para os desafios que encontram e irão encontrar pela vida fora… Da mesma forma que os professores são castrados pelos programas e manuais que têm de cumprir.
Visto que iniciei o meu percurso profissional como educadora pude observar e refletir sobre os dois lados desta moeda, o que me permite afirmar que os mediadores e os educadores/professores têm várias coisas em comum: a vontade de contribuir para que as pessoas tenham uma vida mais harmoniosa, um grande espírito de sacrifício e um enorme “amor à camisola”.
Referências bibliográficas
Campos, Tereza. 2002. “A comunicar é que a gente se entende”. In Encontro Ver, Rever. Museus, Educação. Ministério da Cultura 13-15.
Filipe, Graça. Comunicação no Encontro Ver, Rever. Museus, Educação. Ministério da Cultura, 5 dez 2002
A Mediamus é uma associação suíça de mediadores culturais de museu fundada em 1994. Para mais informações consultar http://mediamus.ch/web/fr/rubriken/berufsprofil. Acesso em janeiro 3, 2015.